As palavras da entrevista de Lula

Uma análise em gráficos (e palavras, é claro)

Fernando Barbalho
7 min readAug 27, 2022
Imagem do próprio autor

Na última quinta-feira o ex-presidente Lula participou de uma entrevista no Jornal Nacional. Quem assistiu pôde perceber que Lula como candidato continua afiado nas suas palavras. Mas quais são exatamente essas palavras? Quais os termos mais frequentes? Que combinação de palavras mais ocorrem? O que revelam os detalhes da entrevista sobre a identificação de temas, prioridades ou mesmo alianças? Por outro lado, o que o uso das palavras mostra sobre o comportamento da dupla de entrevistadores? São essas perguntas que serão respondidas nos próximos parágrafos e gráficos ao se analisar a transcrição da entrevista disponibilizada pela campanha do candidato.

Aqui o tweet que anuncia a disponibilização da transcrição:

E aqui a página onde está a transcrição:

https://lula.com.br/lula-no-jornal-nacional-leia-a-integra-da-entrevista/

Vamos às análises

Começamos mostrando a quantidade de intervenções de cada participante da entrevista.

Número de intervenções por participantes. Imagem do próprio autor.

Vemos na figura acima que a maior parte das intervenções, perto de 40, foram de Lula, como era de se esperar já que ele é o entrevistado. William Bonner apresenta um número um pouco maior do que Renata Vasconcellos. Aqui vale salientar que Bonner é uma espécie de mestre de cerimônias das entrevistas. Ele as inicia e as conclui. Entende-se portanto que os dois entrevistadores têm papeis equilibrado na entrevista.

Agora vamos às palavras mais frequentes. O gráfico abaixo mostra quais são as palavras mais faladas por Lula.

Palavras mais citadas por Lula. Imagem do próprio autor

Para a figura são selecionadas todas as palavras ditas por Lula que ocorreram pelo menos dez vezes durante o programa. A palavra gente destaca-se na primeira colocação com mais de trinta ocorrência. Aqui essa palavra é parte da locução pronominal “a gente”, logo assume o equivalente ao pronome “nós”. Isso indica, portanto, uma ideia de trabalhos, debates e práticas realizadas num coletivo. Algumas sentenças da transcrição:

“Eu queria começar dizendo para você uma coisa muito séria: foi no meu governo que a gente criou o Portal da Transparência, que a gente colocou a CGU com o ministro para fiscalizar, que a gente criou a Lei de Acesso à Informação. A gente criou a Lei Anticorrupção, a Lei Contra o Crime Organizado (…)”

A segunda palavra mais frequente, “fazer”, expressa quase sempre as intenções de realizações de um eventual novo mandato. Alguns trechos:

“Eu pretendo fazer uma gestão de acordo com aquilo que nós construímos.”

“Eu quero voltar porque eu quero fazer coisas que eu deveria ter feito, mas não sabia que era possível fazer

Vale destacar ainda as palavras Renata e Bonner. As constantes referências aos nomes dos apresentadores trazem uma abordagem informal por parte de Lula. Como indicado num bem-humorado tweet com mais de 100 mil visualizações, as intervenções de Lula se aproximaram de uma conversa num barzinho.

Por fim vale destacar a relevância de Alckmin. Com exceção de Renata e Bonner, que afinal de contas eram os entrevistadores, o candidato a vice-presidente foi a única pessoa que teve seu nome falado pelo menos dez vezes na entrevista. Quase sempre a citação revela a confiança do Lula em seu parceiro de chapa.

“É por isso que eu fui escolher uma pessoa como o Alckmin de vice”

“e ainda tenho a experiência do ex-governador Alckmin comigo”

Vamos ver agora o que Renata Vasconcellos falou.

Palavras mais citadas por Renata Vasconcellos. Imagem do próprio autor

Como toda boa entrevista, os entrevistadores falaram bem menos. Isso reduz a quantidade de palavras repetidas. Optei por diminuir para quatro o número mínimo de repetições para que as palavras apareçam no gráfico.

Os termos mais repetidas no caso de Renata Vasconcellos revelam quais os temas que mais geraram interação com Lula. Nesse caso foram as perguntas que envolveram o mecanismo para a escolha do procurador geral da república e a pergunta sobre o relacionamento de Lula com o agronegócio.

Agora abaixo, o gráfico das palavras de Bonner.

Palavras mais citadas por William Bonner. Imagem do próprio autor

Aqui também a figura revela as perguntas mais debatidas com Lula. Nesse caso Bonner foi incisivo em relação à comparação de um eventual próximo governo Lula com o governo Dilma; debateu os escândalos de corrupção que ocorreram no governo Lula, principalmente os que envolveram a Petrobras; e questionou ainda sobre o comportamento da militância do PT em relação às alianças, especialmente com Alckmin.

Nuvens de palavras

Veja na sequência os três gráficos de nuvens de palavras que se associam aos três participantes da entrevistas. Em termos analíticos não há muito a acrescentar para o caso de Renata Vasconcellos e Bonner. Para o caso de Lula, é importante o destaque de novas palavras que passam a aparecer quando se tira o limite mínimo da quantidade de repetições.

Nuvem de palavra do Lula. Imagem do próprio autor

Percebe-se na nuvem de palavras de Lula a referência a Dilma a partir da resposta dada ao Bonner.

“Bonner, sábado eu estive com a Dilma no Vale do Anhangabaú, em São Paulo, e a Dilma sabia que eu vinha aqui. E a Dilma falou assim para mim: ‘presidente, se perguntarem do meu governo não responda. Fala para me convidarem que eu vou lá para discutir com eles’”.

Outro destaque é para o MST que é citado numa resposta à pergunta da Renata Vasconcellos.

“O MST está fazendo uma coisa extraordinária, está cuidando de produzir. Eu não sei se você sabe, o MST hoje tem várias cooperativas. O MST é o maior produtor de arroz orgânico do Brasil.”

Nuvem de palavra de Renata Vasconcellos. Imagem do próprio autor
Nuvem de palavra do Bonner. Imagem do próprio autor

Redes de palavras

Por fim vamos a um gráfico das relações entre bigramas. Os bigramas são conjuntos de duas palavras que aparecem em textos. Para o nosso caso busquei todas os bigramas que ocorrem pelo menos duas vezes nas intervenções do Lula. Essas relações formam uma rede como a mostrada na figura abaixo

Rede de bigramas. Imagem do próprio autor

A rede de bigramas demonstra com mais clareza alguns aspectos que já apareceram ao se analisar as palavras mais frequentes. Cinco sub-redes precisam ser vistas em conjunto já que trazem uma intervenção de Lula que trata de recordação do seu primeiro governo e apontam macro diretrizes para uma eventual próxima gestão. Essas cinco sub-redes são :

  • economistas->diziam
  • dívida->pública
  • fernando->henrique->cardoso
  • história->desse->nesse->país
  • naquela->época

A intervenção é um pouco longa e vou deixar apenas as partes que se relacionam com os elementos que aparecem no gráfico

“Bonner, é que você não deve lembrar o que os meus economistas diziam para mim nas eleições de 2002. Naquela época o Brasil estava quebrado. Naquela época, vocês lembram, vocês lembram que o Brasil quebrou duas vezes no governo Fernando Henrique Cardoso. Naquela época o Malan, que era um homem sério, ele todo final de ano ia para o Washington tentar pegar dinheiro para fazer fechar o balanço, o caixa do governo. (…) Então, eu vou dar um dado para você para você ver o seguinte: quando eu tomei posse em 2003, o Brasil tinha 10,5% de inflação, o Brasil tinha 12% de desemprego, o Brasil devia 30 bilhões ao FMI, nós tínhamos uma dívida pública de 60.4%. O que é que nós fizemos? Primeiro, nós reduzimos a inflação para a meta que era 4,5 mais 2, menos 2, durante todo o meu período de governo. Segundo, nós reduzimos a dívida pública de 60.4% para 39%. (…) nunca antes na história do Brasil esse governo teve uma chapa como Lula e Alckmin para poder ganhar credibilidade interna e externa para fazer acontecer as coisas no Brasil.”

Outros sub-redes tratam das relações com o congresso nacional na resposta de Lula a uma pergunta da Renata Vasconcellos. Para esse caso temos as sub-redes:

  • congresso->nacional
  • orçamento->secreto

“Nenhum presidente da República num regime presidencialista governa se ele não estabelecer relação com o Congresso Nacional.”

“O Bolsonaro é refém do Congresso Nacional. O Bolsonaro sequer cuida do orçamento, Renata, sequer cuida do orçamento. O orçamento quem cuida é o Lira.”

“O orçamento secreto é uma excrecência.”

Outros pontos importantes podem ser extraídos das análise de redes e frequências de palavras. Na verdade, outras análises com outras métricas podem ser executadas com os dados originais. Para quem tiver interesse em explorar um pouco mais, deixo o link para o código em linguagem R e um arquivo já num formato pronto para ser processado.

Outras dicas para pesquisadores passam pela análise conjunta de imagens e textos. Quem assistiu à entrevista percebeu a naturalidade do comportamento do Lula e o direcionamento de seus discursos para o povo. Aquele povo que ele indica algumas vezes em suas palavras que “sabe cuidar”.

Caso tenha interesse em conversar me procure no twitter. Até o próximo texto.

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Fernando Barbalho

Doctor in Business Administration from UNB (2014). As data scientist, researches and implements products for transparency in the Brazilian public sector.